
O Product Owner de meio-período
Autor: Marcelo Neves
Era tarde de terça-feira. A planning estava marcada para iniciar às 15h30. Existia uma tensão no ar. Todo o time sabia do problemas, mas preferiram ficar calados e não falar nada a respeito.
Iniciamos a planning com 20 minutos de atraso e os primeiros problemas começaram a aparecer. O product owner não conseguia sequer brifar o time a respeito dos itens priorizados e que deveriam ser puxados naquele momento. Ficou claro que o PO deixou de fazer seu trabalho. O refinamento não havia sido realizado. Mas qual foi o problema? O que teria acontecido com o PO para este não executar uma atividade tão importante?
Foi aí que durante a planning eu, que estava facilitando o evento, decidi perguntar ao Product Owner o porquê daquela situacão. E foi neste momento que o PO respondeu curto e grosso: “falta de tempo”. Não me contentei com aquela resposta rasa. Até porque a falta de preparação do backlog aumenta as chances de insucesso do produto. Resolvi então provocá-lo durante a planning. Para proteger a identidade do PO vou chamá-lo aqui de André. E o diálogo se deu mais ou menos da seguinte maneira:
Marcelo: “Por que você não teve tempo, cara?”
André (PO): “Muitas reuniões.”
Marcelo: “Mas cara, porque você está tendo tantas reuniões assim? O que está acontecendo?”
André (PO): “É que, sabe, tem muitas partes interessadas. E elas marcam muitas reuniões que me deixam sem tempo para cuidar do backlog.”
Não satisfeito com a resposta, decidi provocá-lo ainda mais um pouco.
Marcelo: “Mas são tantas partes interessadas assim? Tem tanta reunião assim que te impede de cuidar do backlog?”
André (PO): “Sim. É que…”
Decidi interromper o PO e, chateado com a desculpa esfarrapada dele, mandei uma voadora nos peitos do infeliz.
Marcelo: “Se não tivermos o backlog refinado aumentaremos a chance de insucesso de não entregar o produto no tempo esperado. Porque você acha que tem muitas reuniões? As partes interessadas tem tantas dúvidas assim? O contexto é tão complicado e necessita de tantas reuniões e alinhamentos?”
André (PO): “Sabe como é, né Marcelo. Eu não cuido apenas desse produto. Eu tenho minhas outras atribuições. O gerente aqui me cobra vários outros projetos que preciso dar conta.”
Naquele momento eu descobri que o PO não estava dedicado ao produto. O problema era pior do que eu podia imaginar. Era um PO de meio-período. Ele dava parte de sua atenção ao produto. Executava parte de suas tarefas.
A questão naquele momento era: Como mostrar para a organização que um PO meio-período estava comprometendo os resultados? Como demonstrar com fatos e números que aquela falta de dedicação estava prejudicando todo o time?
Pois bem. Tive a ideia de mensurar a quantidade de tempo que os itens ficavam na etapa de desenvolvimento. Depois de três semanas constatei que estas levavam em média 10 dias. Conversei com o PO e dedicamos mais esforço ao trabalho de refinamento. Depois de 1 mês, fizemos uma nova medição e chegamos a uma redução de 20% no tempo de desenvolvimento das demandas. Agora os itens ficavam na etapa de desenvolvimento por cerca de 8 dias.
Nada mal, não é verdade? Conseguimos demonstrar com números que o trabalho de refinamento do backlog diminuiu consideravelmente o tempo de desenvolvimento.
E assim conseguimos justificar uma maior dedicação do PO, que a partir daquele momento deixou de ser meio-período, para uma dedicação exclusiva ao produto.
O Product Owner gostou tanto dos resultados do refinamento que começou a adicionar mais e mais detalhes aos itens do backlog na intenção de reduzir ainda mais o tempo de desenvolvimento. Consequentemente a duração do planejamento também começou a aumentar, já que o time gastava mais tempo para ler tudo o que havia sido preparado pelo PO.
Pois é. Vou ter que conversar novamente com o André. Mas isso é história para um próximo artigo.
Marcelo Neves tem 25 anos de experiência em Tecnologia, Processos e Produtos. É formado em Tecnologia de Processamento de Dados e pós-graduado em Gestão de Projetos pela UFRJ. Tem ajudado diversas empresas a adotar abordagens ágeis e cultura de produto. Já atuou em empresas do segmento de educação, bancário, indústria da moda feminina e indústria médica. É proprietário da empresa Anelox onde oferece consultoria à empresas de produtos, análise de negócios e agilidade. Atualmente Marcelo Neves trabalha como especialista no desenvolvimento de Product Owners. Criou o curso Professional Product Leader de formação de Product Owners. Marcelo também mentora individualmente profissionais que estão em transição de carreira para a área de produtos. A jornada profissional de Marcelo começa no ano de 1990, quando começa em seu primeiro emprego no Banco Real como office boy. Em 1993 começou a faculdade de Computação no Rio de Janeiro. Logo no primeiro ano iniciou o primeiro estágio no Banco do Brasil. No ano seguinte foi trabalhar como desenvolvedor de software de computador em Clipper em uma pequena empresa de informática. Em 1997 foi trabalhar em outra empresa de consultoria onde atuou por 13 anos. Nesta empresa atuou como desenvolvedor de software, analista de negócios e tem sua primeira experiência como Product Owner. Em 2006 criou seu canal no Youtube. Mas só tomou coragem para postar seu primeiro vídeo em 2012. Seu canal no Youtube hoje tem mais de 16.000 seguidores e lá compartilha bastante conteúdo e vídeos sobre agilidade, produtos e gestão. No ano de 2007, ainda funcionário de uma empresa de consultoria, fundou a Anelox. Começou a prestar serviços de consultoria de análise de negócios, projetos e produtos. Depois de um bom tempo percebeu que sua didática era algo que o destacava de outros profissionais. Esse foi o estopim para decidir dedicar boa parte do seu tempo na criação de cursos presenciais e online que tem ajudado inúmeros profissionais no Brasil e também em outros países da América Latina. Em 2010 funda o Capítulo Rio de Janeiro do Instituto Internacional de Análise de Negócios. A ideia era promover a análise de negócios no Rio de Janeiro. Em 2011 foi convidado para participar da escrita do BABoK v3. Escreveu o corpo de conhecimento junto a um time de mais de 40 profissionais do mundo inteiro dedicados à análise de negócios. No ano de 2015 começa a atuar digitalmente com treinamentos e consultoria online e, quatro anos depois, cria o portal CANAL VALOR oferecendo ao público cursos gratuitos e pagos voltados para gestão de produtos e agilidade. Bem, esse relato é um pouco da história profissional de Marcelo Neves. É claro que tem muitos causos, desafios e alegrias durante essa jornada. Se tem algo que Marcelo aprendeu durante os anos é que devemos aprender a gostar do que se faz. Algo bem diferente, do que se defende, de que devemos fazer aquilo que se ama.